Nos tempos modernos, o yoganidrā é geralmente entendido como um tipo específico de meditação guiada realizada em shavasana, postura do morto. Essa interpretação comum se deve em grande parte ao sucesso da técnica Satyananda Yoganidra. No livro Yoganidra, publicado pela primeira vez em 1976, Swami Satyananda afirma ter construído esta técnica de meditação guiada em sete partes a partir de ‘práticas importantes, mas pouco conhecidas’ que ele encontrou em escrituras do Tantra Yoga.

Durante a prática de yoganidra, a pessoa parece estar dormindo, mas a consciência está funcionando em um nível mais profundo de consciência. Por esse motivo, o yoganidra costuma ser chamado de sono psíquico ou relaxamento profundo com consciência interior.

Foto 1: Yoganidra em savasana

Sabia que yoganidra é um asana também? Eu tentei imaginar qual seria, mas passei longe. Se você imaginou algo como o shavasana, fácil e tranquilo, se enganou também. É praticamente um contorcionismo. Deixei a foto no final do texto para você dar uma olhada.

Então, vamos ao que interessa: saber um pouco mais sobre yoganidra.

Yoganidrā é um termo que tem uma história antiga e diversa na literatura indiana. Vários significados podem ser encontrados nas literaturas épica e purânica, Śaiva e Tantras budistas, textos medievais de Haṭha e Rājayoga (incluindo o famosinho Haṭhapradīpikā).

No primeiro livro do Mahābhārata, famoso épico indiano (300 a.C) aparece o termo yoganidrā se referindo ao sono de Viṣhṇu entre os ciclos do universo. 

Foto 2 – Vishnu dormindo

Yoganidrā também é o nome de uma deusa, a qual Brahmā implora que acorde Viṣṇu para que ele possa lutar contra os dois Asuras (demônios), Madhu e Kaiṭabha.

Foto 3 – a deusa Yoganidra, Vishnu e os Asuras

Essas primeiras referências ao termo yoganidrā não estão definindo uma prática ou uma técnica em um sistema de yoga, mas estão descrevendo o sono transcendental de um deus e a manifestação da deusa como sono. 

Sabia que é muito comum na cultura indiana a “personificação” dos fênomenos? 

Por exemplo aqui, a deusa Yoganidra é a personificação do sono. Aí temos o deus Agni do fogo, Indra dos trovões, Ganga do rio… até o mantra é considerado uma pessoa. Gosto muito dessa idéia.

Retornando:

Foi no séc.XI-XII que o termo yoganidrā apareceu em um texto de yoga: ou seja, um texto no qual a prática de yoga é ensinada como o único meio de liberação (em vez de gnose, ritual, devoção e assim por diante). Esses exemplos são encontrados em vários textos que ensinam Haṭha e Rājayoga. Aqui, o termo yoganidrā foi usado como sinônimo de um profundo estado de meditação conhecido como samādhi, no qual o yogue não pensa, respira ou se move. 

Evidências para o uso do termo yoganidrā no contexto da meditação podem ser encontradas em vários Tantras Śaiva e budistas. Por exemplo, no texto Śaiva chamado Ciñcinīmatasārasamuccaya, yoganidrā é descrito como uma ‘paz além das palavras’ (vācām atītaviśrāntir yoganidrā) que é obtido dos ensinamentos do guru. 

Yoganidrā é mencionado no Mahāmāyātantra budista como um estado no qual Budas perfeitos entram para realizar o conhecimento secreto. Ao explicar esta passagem, um comentarista posterior acrescenta que yoganidrā é como o sono porque é absolutamente livre de distrações e é chamado assim porque é tanto yoga quanto sono.

 

Foto 4 – Buda dormindo (sorrindo também?)

O sono yogue de samādhi (yoganidrā) é descrito de forma mais elaborada no Yogatārāvalī (24-26), um texto de ioga do século XIII – XIV que ensina tanto o Haṭha quanto o Rājayoga:

[Este] sono extraordinário sem preguiça, que remove [qualquer] pensamento do mundo da multiplicidade, manifesta-se para as pessoas quando todos os seus apegos anteriores desapareceram devido à superioridade de sua consciência interior. Yoganidrā, em que a felicidade extraordinária surge da prática ininterrupta, floresce no yogue cuja base de pensamento intencional e volitivo foi cortada e cuja rede de Karma foi completamente desenraizada. Tendo dominado a cessação [da mente durante o sono] na cama do quarto estado, que é superior aos três estados começando com o mundano, ó amigo, entre para sempre naquele sono sem pensamentos especial, que consiste em [apenas] consciência. 

O significado de yoganidrā como samādhi persistiu até o século XVII, como visto no chamado Yoga Upaniṣad:

[O yogin] que é capaz de se mover ao redor do mundo inteiro, tendo depositado sua semente no céu do eu supremo, liberta-se em vida ao buscar o estado de completa bem-aventurança no sono yogue (yoganidrā), que é puro, não dual, sem inércia, natural e sem mente. 

A PRÁTICA MODERNA

Além de entender yoganidrā como um estado de meditação a ser alcançado, Swāmī Satyānanda o usa como nome para uma sistematização única de várias técnicas de yoga de diferentes tradições religiosas, modernas e medievais. Na discussão abaixo, os antecedentes medievais foram indicados sempre que possível. Não é certo que Satyānanda conhecesse todos esses precedentes específicos quando criou sua prática sistematizada de Yoganidra. No entanto, a existência e a ausência de precedentes dão alguma indicação da influência da tradição e da inovação.

Swāmī Satyānanda (2009: 69-73) divide a técnica Satyananda Yoganidra como tendo sete partes:

1- Preparação (shavasana)

2 – Resolução (sankalpa)

3 – Rotação da consciência (escaneamento)

4 – Consciência e respiração 

5 – Sentimentos e sensações 

6 – Visualização

7 – Terminando a prática (sankalpa)

Bom, no áudio de yoganidra você vai reconhecer algumas dessas partes e… para finalizar (como disse no começo), deixo a foto 3 do yoganidrasana.

Obs.: Quando que eu iria imaginar uma postura dessas? Nunquinha na vida!

Yoganidrā foi adotado como um asana no século XVII. O Haṭharatnāvalī descreve yoganidrasana: Tendo enrolado as pernas ao redor da [parte de trás do] pescoço e amarrando as costas com ambas as mãos, o yogue deve dormir nesta[postura]. Yo ganidrasana concede bem-aventurança.

Foto 3: Iyengar em yoganidrasana (nem sei por onde começar)

ReferênciaTexto original está disponível em: http://www.theluminescent.org/2015/01/yoganidra.html

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